A Soberania Divina e a Responsabilidade Humana
Atualizado: 26 de fev. de 2020
"Este homem lhes foi entregue por propósito determinado e pré-conhecimento de Deus; e vocês, com a ajuda de homens perversos, o mataram, pregando-o na cruz". Atos 2:23
A Escritura revela claramente que:
Deus realiza a sua vontade na humanidade sem tirar a liberdade humana.
Esta verdade é compreendida por grandes teólogos que examinam imparcialmente a Escritura.
Abaixo encontramos as seguintes conclusões:
“A direção providencial de Deus como “causa primária”, invisível, subjacente, não nos deve fazer negar a realidade das nossas decisões e ações”.
Wayne Grudem
“Dois pontos devem ser observados no estudo da providência. O controle de Deus é garantido e inclui tudo, todavia, Deus não viola a liberdade de criaturas racionais e morais. Pode ser difícil compreender isso, uma vez que não há experiências pessoais que possam comparar à obra providencial de Deus, mas a Escritura ensina claramente esses pontos”.
Enciclopédia da Bíblia
Para compreendermos este assunto, vamos analisar alguns textos bíblicos que apresentam tanto a soberania de Deus como a responsabilidade humana ao mesmo tempo.
A Escritura nos mostra que:
Deus enviou José, mas foram os irmãos de José que o venderam ao Egito (Gn. 45.4-9).
Note alguns detalhes que podemos encontrar nestes versículos:
No verso 4 José se revela aos seus irmãos e prova a sua identidade mencionando o ato maldoso dos seus irmãos em relação a ele.
“‘Cheguem mais perto’, disse José a seus irmãos. Quando eles se aproximaram, disse-lhes: ‘Eu sou José, seu irmão, aquele que vocês venderam ao Egito”!
No verso 5 José tranquiliza os seus irmãos mostrando que a ação maligna deles foi providência divina em sua vida.
“Agora, não se aflijam nem se recriminem por terem me vendido para cá, pois foi para salvar vidas que Deus me enviou adiante de vocês.
Já houve dois anos de fome na terra, e nos próximos cinco anos não haverá cultivo nem colheita”.
Waltke e Fredericks comenta o seguinte sobre este versículo:
“Deus direciona o emaranhado da culpa humana para a concretização de seus bons e afinados propósitos”.
No verso 7 José afirma novamente a seus irmãos que Deus o enviou à frente dos seus irmãos para cumprir o seu propósito.
“Mas Deus me enviou à frente de vocês para lhes preservar um remanescente nesta terra e para salvar-lhes as vidas com grande livramento”.
No verso 8 José declara pela terceira vez que a sua ida para o Egito foi antes de tudo fruto da providência divina em sua vida.
"Assim, não foram vocês que me mandaram para cá, mas sim o próprio Deus. Ele me tornou ministro do faraó, e me fez administrador de todo o palácio e governador de todo o Egito.
Voltem depressa a meu pai e digam-lhe: Assim diz o seu filho José: Deus me fez senhor de todo o Egito. Vem para cá, não te demores.
Waltke e Fredericks fazem o seguinte comentário:
José ameniza a culpa e opróbrio de seus irmãos convertidos, confrontando seu crime com o quadro mais amplo da soberania de Deus. Visto que o pecado é parte de seu eterno conselho e presciência – mesmo que os seres humanos sejam ainda responsáveis –, não há base para retaliação ou amargura.
Logo, diante do que foi exposto podemos concluir que Deus pode cumprir os seus propósitos por meio dos males que as pessoas nos causam, e elas serão responsáveis pelos seus atos.
Vamos examinar agora um outro texto que fala sobre a soberania de Deus sobre os assírios e a responsabilidade dos mesmos.
A Bíblia afirma que:
Deus enviou os assírios para punir os israelitas, porém os assírios foram movidos pelo próprio orgulho do coração e foram punidos ao concluírem o propósito divino (Is. 10.5-7,12,15).
Vamos observar os detalhes dessa passagem.
O versículo 5 nos mostra a mensagem de juízo divino destinada para os assírios.
“Ai dos assírios, a vara do meu furor, em cujas mãos está o bastão da minha ira"!
O versículo 6 expõe a soberania de Deus sobre os assírios.
"Eu os envio contra uma nação ímpia, contra um povo que me enfurece, para saqueá-lo e arrancar-lhe os bens, e para pisoteá-lo como a lama das ruas".
O versículo 7 revela a vontade dos assírios de construir um império mundial.
"Mas não é o que eles pretendem, não é o que têm planejado; antes, o seu propósito é destruir e dar fim a muitas nações”.
O versículo 12 apresenta a providência divina sobre o seu povo e a promessa divina de punir o rei da Assíria por causa do seu orgulho.
"Quando o Senhor terminar toda a sua obra contra o monte Sião e contra Jerusalém, ele dirá: “Castigarei o rei da Assíria pelo orgulho obstinado de seu coração e pelo seu olhar arrogante”.
O versículo 15 exibe a soberania divina sobre os assírios por meio de uma pergunta retórica.
“Será que o machado se exalta acima daquele que o maneja, ou a serra se vangloria contra aquele que a usa?
Seria como se uma vara manejasse quem a ergue, ou o bastão levantasse quem não é madeira”!
O machado e a serra são os assírios que Deus usou para punir os israelitas.
Portanto, Deus usa as pessoas, mas não é a causa dos pecados que elas comentem, por isso elas são punidas por Ele, pois são responsáveis pelos seus pecados.
Deus revelou a Moisés que iria endurecer o coração de Faraó para não deixar o povo de Israel sair, mas em seguida disse que Faraó não quis deixar o povo ir (Êx. 4.21-23).
“Disse mais o Senhor a Moisés: "Quando você voltar ao Egito, tenha o cuidado de fazer diante do faraó todas as maravilhas que concedi a você o poder de realizar. Mas eu vou endurecer o coração dele, para não deixar o povo ir.
Depois diga ao faraó que assim diz o Senhor: Israel é o meu primeiro filho,
e eu já lhe disse que deixe o meu filho ir para prestar-me culto. Mas você não quis deixá-lo ir; por isso matarei o seu primeiro filho!”
Deus endureceu o coração de Faraó, porém o mesmo se recusava a atender Moisés e Arão (Êx. 9.12).
“Mas o Senhor endureceu o coração do faraó, e ele se recusou a atender Moisés e Arão, conforme o Senhor tinha dito a Moisés”.
Deus endureceu o coração de Faraó para mostrar o seu poder, porém o mesmo era responsável por seus atos (Êx. 9.16,17).
“Mas eu o mantive de pé exatamente com este propósito: mostrar-lhe o meu poder e fazer que o meu nome seja proclamado em toda a terra.
Contudo você ainda insiste em colocar-se contra o meu povo e não o deixa ir”.
Faraó endureceu o seu coração como o Senhor tinha predito e determinado (Êx. 9.34,35).
“Quando o faraó viu que a chuva, o granizo e os trovões haviam cessado, pecou novamente e obstinou-se em seu coração, ele e os seus conselheiros.
O coração do faraó continuou endurecido, e ele não deixou que os israelitas saíssem, como o Senhor tinha dito por meio de Moisés”.
Fica notório nestes textos acima que Deus endureceu o coração de Faraó, todavia Faraó também endureceu o seu coração sendo obstinado.
Pedro afirmou em sua pregação que Cristo foi morto por uma predeterminação divina, porém culpou os judeus de o matarem na cruz (At. 2.23).
“Este homem lhes foi entregue por propósito determinado e pré-conhecimento de Deus; e vocês, com a ajuda de homens perversos, o mataram, pregando-o na cruz”.
Sobre este versículo o Comentário NT Aplicação Pessoal comenta:
“Embora a vontade de Deus seja soberana, Ele atua por meio das pessoas e dos eventos na história (At. 4.28). Até mesmo levar Jesus à morte era o cumprimento do plano de Deus. O Determinado conselho de Deus levou à morte de Cristo, mas as pessoas foram culpadas”.
A Igreja Primitiva em sua oração reconheceu a liberdade humana e a predeterminação divina (At. 4.27,28).
“De fato, Herodes e Pôncio Pilatos reuniram-se com os gentios e com os povos de Israel nesta cidade, para conspirar contra o teu santo servo Jesus, a quem ungiste.
Fizeram o que o teu poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que acontecesse”.
O Comentário NT Aplicação Pessoal registra o seguinte:
“Os crentes declararam que Deus é o Senhor soberano de todos os acontecimentos; Ele comanda a história para cumprir os seus objetivos. O que a sua vontade determina, o seu poder realiza. Nenhum exército, governo, ou conselho pode impedir a realização da vontade de Deus”.
Paulo afirmou que Deus age em todas as coisas para cumprir o seu propósito (Rm. 8.28).
“Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito”.
“Nossa vida não é controlada por forças impessoais como o acaso, a sorte ou destino, mas por um Deus maravilhoso e pessoal, que é “amoroso demais para ser insensível e sábio demais para errar”.
William MacDonald
Para entender melhor a Soberania de Deus e responsabilidade humana segue alguns comentários abaixo.
"Providência é o governante poder de Deus que supervisiona a sua criação e realiza os seus planos para isso.
Deus não apenas criou o universo, mas o mantém e o direciona para o cumprimento de seus propósitos. A criação e a providência pertencem juntas como dois lados da mesma moeda. Sem a criação não poderia haver providência, mas a criação dificilmente poderia se sustentar sozinha. O Deus que fez o universo também ordena e governa de acordo com sua vontade.
A Bíblia não revela explicitamente por que Deus criou o mundo, mas sabemos que nada acontece nele além de seu amor e preocupação. Isso não significa que o controle de Deus se opõe à agência da criatura. A teologia cristã geralmente reconhece que Deus criou agentes responsáveis que são livres para agir dentro de suas esferas designadas, uma liberdade que permitiu o mal, na forma de desobediência à vontade de Deus, para fazer a sua aparição na ordem criada.
Os seres humanos muitas vezes questionam a boa providência de Deus diante de desastres naturais - enchentes, terremotos, erupções vulcânicas, e assim por diante. Os cristãos reconheceram que tais eventos são de fato trágicos, mas também fazem parte do bom plano abrangente de Deus para o que ele fez.
A providência também afeta a teologia e a prática cristã, porque a nós são prometidas duas coisas em relação a ela. A primeira é que o mundo não será finalmente destruído, seja por um desastre natural ou por um desastre provocado pelo homem, mas será recriado em glória (Gên 9; Apo 22). A segunda é que tudo o que acontece opera para o bem daqueles que amam a Deus, quer possamos atualmente perceber isso como bom ou não (Rom 8:28). Não temos o privilégio de conhecer os conselhos secretos da vontade de Deus, mas podemos ter certeza de que tudo o que ele fizer redundará no final para o nosso bem, quer entendamos isso agora ou não.
Nestas formas, a doutrina da providência fortalece a garantia cristã de salvação e nos dá a fé e a esperança que precisamos para confiar nele ao longo das nossas vidas. É porque acreditamos nesta providência que podemos encontrar a força para confiar em Deus, mesmo quando as coisas vão mal para nós neste mundo. A vida cristã é uma luta espiritual, mas em Cristo sabemos que temos a vitória sobre isso e que ele nos manterá seguros até o fim”.
Bray, G. (2018). Providência. In B. Ellis, M. Ward, & J. Parks (Orgs.), Sumário de Teologia Lexham. Bellingham, WA: Lexham Press.
Segue algumas frases de Wayne Grudem sobre o assunto.
“As Escrituras repetidamente afirmam que realmente fazemos acontecer eventos”.
“... que temos de fato escolha, e essas escolhas são reais e nos trazem resultados reais”.
“Deus faz todas as coisas que acontecem, mas ele o faz de maneira tal que de algum modo garante nossa capacidade de tomar decisões voluntárias, responsáveis, decisões que tragam resultados reais e eternos, e pelas quais somos responsáveis”.
“As Escrituras não nos explicam exatamente como Deus combina o seu controle providencial com as nossas decisões voluntárias e significativas. Mas em vez de negar um ou outro aspecto (simplesmente por não conseguirmos explicar como ambos podem ser verdadeiros), devemos aceitar os dois numa tentativa de ser fiéis ao ensinamento de toda a Bíblia”.
“Deus é plenamente responsável pela realização das coisas, e que noutro sentido nós também somos plenamente responsáveis pela realização das coisas (como criaturas)”.
Deus realiza a sua vontade na humanidade por meio da liberdade humana, mas ele não revela como isso acontece, apenas mostra que acontece.
Dito isto, a conclusão que podemos chegar com grande fundamento bíblico é que Deus é soberano e o homem é responsável pelos seus atos.
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